Último disco de Aracy de Almeida foi gravado ao vivo no Teatro do Lira, em uma noite histórica
Por Danilo Casaletti
“Vai levar dez paus!”. A frase repetida por Aracy de Almeida (1914-1988) no júri do programa Silvio Santos muitas vezes a reduz na figura da jurada ranzinza que não perdoava os bizarros calouros de TV. Injustiça. A carioca nascida no bairro do Engenho foi muito mais que isso. Está no panteão das grandes cantoras brasileiras – tinha um jeito personalíssimo de cantar e dividir sambas – e foi uma das responsáveis, ao lado de Marília Batista, por eternizar a obra do compositor Noel Rosa (1910 – 1937).
Menina pobre, Aracy começou a cantar no coro de uma igreja na qual o irmão era pastor. No início da década de 1930, profissionalizou-se cantando em programas de rádio. Em 1936, emplacou seu primeiro grande sucesso, Palpite Infeliz, samba feito por Noel. Boêmia, Aracy frequentava bares na companhia de amigos, algo encarado com preconceito pela sociedade da época. Detestava usar vestidos ou saias. Gostava de calça comprida, de se sentar no chão para bater papo com seus companheiros de farra e de música.
Aracy tinha verdadeira adoração pelo amigo Noel. E ciúmes. Em 1970, a cantora paulistana Isaurinha Garcia (1923-1993) decidiu lançar um disco com músicas de Noel. Aracy não gostou nada da história. “Isaurinha anda dando em cima do meu repertório”, disse Aracy, em uma entrevista ao jornalista Eustáquio Trindade, prometendo tirar satisfações com a cantora. E assim o fez, na primeira oportunidade.
Ouça Aracy de Almeida – ao vivo e à vontade, gravado no Teatro do Lira
Nos anos 80, já com a carreira de cantora meio esquecida, Aracy topa embarcar na “loucura” de duas figuras bastante presentes na história do Lira Paulistana: os músicos Zé Rodrix e Tico Terpins. Eles propuseram para Araca – como era chamada pelos amigos – que ela gravasse um disco ao vivo no palco do Lira, para o público que lá frequentava. A cantora – que já conhecia Terpins – topou. Sem ensaio, subiu no palco e cantou apenas canções de Noel Rosa.
“Vou cantar músicas de 500 anos atrás. Não tenho tempo de aprender outras”, disse ao pisar no palco, receosa com a recepção do público.
Que nada! Aos 66 anos, apesar da respiração já um pouco cansada, Aracy teve o público aos seus pés. Cantou magistralmente acompanhada por um regional e foi aplaudidíssima pelo espectadores acostumados a ver a vanguarda no Teatro do Lira. Ao terminar a gravação, entrou em um táxi e partiu rumo ao hotel que o apresentador Silvio Santos pagava para ela em São Paulo.
A história dessa noite histórica foi muito bem contada por Rodrix (leia o texto abaixo) na contra capa do disco Ao vivo e à vontade – lançado pela gravadora Continental após a morte da cantora, em 1988. Relançado em CD pelo pesquisador musical Rodrigo Faour em 2008, o álbum, infelizmente, está fora de catálogo atualmente.